“Heroic bloodshed” Muita violência e tiroteios no ponto fulminante do cinema de Hong Kong dos anos 1980.

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É fato inegável que o cinema ação tem inúmeras formas de ser retratado, isso já foi abordado e comprovado muitas vezes ao longa da história do cinema, e inclusive já discutido aqui. Porém, durante os anos 80, um diretor chinês super autoral começa fazer uma espécie de ação um tanto quanto diferente dos demais, e que viria a mudar o gênero em Hong Kong, e mais tarde, influenciaria até mesmo Hollywood. Foi em 1986 que o diretor “John Woo”, que até então já havia dirigido filmes de humor negro e de pancadarias tradicionais do kung fu, lança os filmes: “Heroes Shed no Tears” e o clássico criminal violento “A Better Tomorrow” (Alvo Duplo).
Em Heroes Shed no Tears (lançado por aqui apenas em VHS com o nome genérico de ‘No Coração do Perigo’) John Woo faz um exercício daquilo que viria a ser chamado de Heroic bloodshed.

O termo heroic blooshed foi criado pelo editor Rick Baker da revista Eastern Heroes em algum momento dos anos de 1980, especificando um estilo de filmes de diretores como John Woo e Ringo Lam. Baker definiu o gênero como “Filmes de ação feitos em Hong Kong com muitas armas, gangsters e muita violência”.

E com base nisso muitos diretores chineses se aventuraram em criar suas versões sangrentas desse lado violento de Hong Kong. Foi de lá que saiu, os hoje consagrados, diretores como: Johnnie To, Gordon Chan, Kirk Wong e muitos outros, além dos já citados, John Woo e Ringo Lam!

Se você está nesse blog chamado Oriente Extremo, tenho quase certeza que você gosta de uma boa ultra-violência asiática. Embora eu goste muito de trazer também o cinema de arte, esse lado sangrento não deixa de ser, com o perdão a reutilização da palavra, ARTE! Quer algo mais artístico do que ver Chow Yun-fat atirando com duas armas ao mesmo tempo, com litros de sangue falso jorrando aos montes, um ótimo trabalho de câmera (nunca pode faltar em um bom filme de ação) e até slow motion!?

Muitas promessas costumam ser feitas nos vários posts desse site, e para não perder o costume, prometo falar mais aprofundadamente sobre cada título aqui mencionado, e com base nas obras máximas do gênero, aqui vão, recomendações de grandes filmes desse maravilhoso gênero, que compôs a era de ouro do cinema de Hong Kong. E o melhor de tudo? Sem sangue CGI.

Alvo Duplo (1986) – John Woo

O filme que começou tudo, mais estiloso do que O Diabo Veste Prada! Tão influenciador, que os óculos usados pelo personagem Mark (Chow Yun-fat) esgotaram em Hong Kong no mês de lançamento, e ainda popularizou os sobretudos na capital chinesa, não o bastante, o estilo viria a ser utilizado pelos irmãos (irmãs?) Wachowski na trilogia Matrix!

O Matador (1989) – John Woo

Talvez o trabalho mais sangrento de John Woo. Um filme com forte apelo dramático, talvez uma grande homenagem as tragédias de Shakespeare (?). Chow Yun-fat vs Danny Lee, um embate final para se ficar na memória.

 

Perigo Extremo (1987) – Ringo Lam
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Mais uma vez, Chow Yun-fat vs Danny Lee. Dessa vez, ambos trocam de lado. Yun-fat o homem da lei e Lee o patife. Mais sobre o filme aqui

Mais recomendações:
À Flor da Pele (1992) – Ringo Lam
Alvo Duplo 2 (1987) – John Woo
Bala na Cabeça (1990) – John Woo
Hard Boiled (1992) – John Woo
Long Arm of the Law (1984) – Johnny Mak
Exiled (2006) – Johnnie To
Flaming Brothers (1987) – Joe Cheung
The Mission (1999) – Johnnie To
Beast Cops (1998) – Gordon Chan

Os Lobos (1971) de Hideo Gosha

A decadência de um gênero talvez seja maior notada em meio ao seu ápice, no exato momento em que se não existem mais meios de se sustentar. Embora o Jitsuroku eiga (ou seria esse um filme Ninkyo eiga?) ainda tenha se mantido na ativa por mais seis ou sete anos após o lançamento de Os Lobos (alguns dizem que o real declínio do gênero veio muito depois, no início da década de 1980), é notável o perecimento da figura Yakuza nesse projeto de 1971, realizado pelo diretor Hideo Gosha.

A decaída da figura, do até então Yakuza galanteador, já não era mais a imagem que queria ser vista, já não fazia mais sentido depois de Guerra de Gangues em Okinawa (lançado no início do mesmo ano de Os Lobos) do revolucionário violento: Kinji Fukasaku. A reinvenção em meio à sua própria decadência é, em suma, algo que admiro.

Imagine um depauperamento da figura James Bond, com um 007 já não tão galanteador, já não cheio de charme, mas com uma aura mais séria, mais cruel, mais sujo, complexo, mais humano. Talvez esse seja o melhor exemplo, de descaracterização (que consigo pensar nesse momento) sobre esse advento. A alma ainda está lá, sua essência é mantida, de uma forma mais crua, menos sutil.

Estreando no gênero definitivo Yakuza, Hideo Gosha moldou (créditos também para Kei Tasaka, um grande colaborador em vários enredos do diretor) um universo crível, um vilarejo lamacento, como as ruas de Contos Brutais de Honra, mas que é o que se tem, é onde se vive, é onde a honra mora, pois é o lugar em que seu Oyabun reside.

Sinopse (a mesma que se encontra na caixa Cinema Yakuza): “Em 1929, para celebrar a ascensão do Imperador, centenas de mafiosos são libertados. Um desses homens percebe que a honra não faz mais parte do mundo da Yakuza, agora infestado por lobos.”

Em 1992, Clint Eastwood lançava o seu ‘faroeste crepuscular’, Os Imperdoáveis. Um filme que chegou para colocar o prego final no caixão do gênero. Uma desconstrução dos mitos do pistoleiros do velho oeste, que o próprio Eastwood, junto com Sergio Leone, ajudou a moldar. Claro que o faroeste tradicional vem de muito antes, mas leve em consideração apenas a sua reinvenção, já em meio a sua decadência, o faroeste spaghetti.

O crepúsculo de um gênero sempre serviu de catalisador para a desmitificação dos mitos criados ao longo dos anos. Os Lobos enxerga o crepúsculo do Ninkyo eiga sem perder sua própria essência enraizada no Jitsuroku eiga, uma junção, mesmo que inconsciente de ambos os estilos.

Preso depois de um confronto contra um clã rival, Seji Iwahashi (Tatsuya Nakadai em uma incrível atuação), o personagem chave da história, é liberado da prisão, e descobri que o seu clã se uniu com o clã rival. Essa união cria desavenças de ambos os lados, uma vez que não só Seji foi liberado, mas outros membros do clã rival se reuniram e se decepcionaram ao mesmo tempo com tal notícia.

Um conflito interno está formado, intrigas dentro de um mesmo grupo, confrontos entre membros de uma mesma gangue são proibidos, mas o amargor do passado ainda esta ali. Como esquecer os conflitos inacabados, que resultaram em seus determinados encarceramentos?

Enquanto uns morrem pela honra outros se dão conta da realização do desperdício da vida em prol de um líder tirano. Valeu a pena? É esse o caminho certo? Quantas vezes o tema já foi abordado pelo cinema samurai? São tantos os projetos do jidaigeki cruel. Do fim do período honrado, para a já previsão da decadência de um gênero ainda em meio a sua reinvenção. Um mérito visionário, que acredito ter sido tão inconsciente, quanto a atuação de Nakadai, com seus olhos sempre atentos, sempre tão cheios de expressões amargas. Uma atuação poderosa!

Em determinado momento, Shinji finalmente se dá conta da sujeira por debaixo dos panos. A plena consciência de que a vida passou, e tudo foi em vão. A cegueira em nome da honra, que no fim, não leva à lugar nenhum. Um dos meus momentos favoritos do filme, pois lágrimas sinceras são derramadas, em meio ao por do sol, o crepúsculo da vida de Shinji, um momento derradeiro.

Em meio a suas realizações, decisões são tomadas, confrontos sangrentos no dojo, contra tudo, contra todos, não importa os que sabem a verdade, não existe mais sentido. Um confronto na praia, quer um lugar melhor para se observar o fim do dia? Por fim, o lugar onde tudo termina, é exatamente o lugar, onde a decadência começou.

 

 

Crítica: PARADOX [2017] de Wilson Yip

Atenção: Esse texto possui spoiler sobre o universo da franquia SPL!
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Dez anos atrás, em 2008, Wilson Yip lançava o primeiro Yip Man. Filme que rendeu mais duas continuações e que além de estar sendo planejado um quarto filme, ainda conta com um spin-off nos planos, ambos para serem lançados em 2018. Além da franquia Yip Man, Wilson Yip iniciou uma outra série de filmes de sucesso, um pouco menos conhecida por aqui, mas igualmente famosa em seu país de origem. A franquia em questão é: “SPL: Sha Po Lang“.

Iniciada em 2005 com o filme Kill Zone (título internacional) e lançado aqui no Brasil como ‘Comando Final’. A franquia contava com Donnie Yen (um recorrente na filmografia de Yip) e Sammo Hung (Dragões para Sempre), que também criou as coreografias. Em 2015, o diretor Cheang Pou-soi  (A Lenda do Rei Macaco) realizou a primeira sequência de Kill Zone, chamada de SPL II: A Time For Consequences (ainda sem previsão de lançamento para o Brasil), o elenco era composto por Tony Jaa (O Protetor), Wu Jing (Wolf Warrior), Simon Yam (Eleição: O Submundo do Poder), Zhang Jin (Yip Man 3) e Louis Koo (Drug War). Mesmo com a ausência de Sammo Hung e Donnie Yen, o filme foi um sucesso, devido ao seu elenco cheio de estrelas e um trabalho técnico sensacional!

Com base no sucesso, Wilson Yip retornou para a franquia como diretor/produtor e trouxe consigo ninguém menos do que o lendário Sammo Hung, dessa vez, para dirigir as cenas de ação. Embora a franquia obviamente compartilhe o mesmo universo, seus personagens não são relacionados de um filme para o outro. Paradox sequer gasta tempo fazendo menções à personagens importantes da franquia, funcionando mais como um “What If..?” do que de fato uma continuação.

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Inicialmente divulgado pela imprensa internacional, como o novo filme do ator Tony Jaa (como eu mesmo disse aqui), e que de fato, contém a participação de Tony Jaa (mas apenas como uma ‘participação especial’). Nos primeiros trailers de Paradox, muitas cenas do astro foram exibidas (cenas que estão no filme, não se preocupem), o que causou muita confusão quanto à seu tempo de tela nesse novo filme. Se o que queres é sentar, e ver um filme desse ator em específico, já lhe adianto, que ficará decepcionado, pois seu tempo é realmente curto e seu destaque, é mínimo.

Se em SPL II, Louis Koo tinha feito uma participação especial, e Jaa assumido um dos papeis principais, em Paradox ambos trocam os papeis, Koo é o personagem central da trama, juntamente com Wu Yue.

Paradox é mais modesto do que SPL II quanto à lutas contendo Wire fu (combinação das palavras wire work + kung fu), que são aquelas lutas onde os atores ficam presos à cabos para ajuda-los a lutar no ar ou dar pulos que desafiam a física. Na verdade, a palavra modesto pode definir essa nova entrada na franquia SPL. A começar pela trama simples de pai desesperado que tenta resgatar a filha, sequestrada por traficantes de órgãos…

Yip tentou trazer certa originalidade para a franquia (mesmo que SPL II também lide com sequestro…) e infelizmente, o roteiro de Paradox é uma bagunça do início ao fim, seja por personagens mal desenvolvidos, ou por decisões absurdas tomadas por certos personagens (algumas que até os levam a morte).

O trabalho de câmera é fenomenal, como de costume das produções do diretor. Sempre nos colocando por dentro de cada golpe desferido pelos personagens em cena e fazendo uso de ângulos alternados.

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Existe um padrão de violência seguido nas produções do gênero, porém, Paradox não é nem um pouco sangrento, nas cenas de confrontos de arma branca por exemplo, sempre tem um truque esperto para esconder o excesso. De fato, Paradox é modesto até mesmo em meio as suas cenas mais violentas e pesadas.

Existe uma tentativa de reviravoltas sombrias para quebrar a simplicidade do roteiro. Embora esses plot twists brinquem com a expectativa do espectador, ainda falta muito para causar o choque. Mesmo que o roteiro não seja importante em muitas produções de ação e sequer se levam a sério, obras de ação cujo o roteiro é construído para sustentar o longa independente da pancadaria e tiroteios, são muito mais arriscados. Falta o equilíbrio em Paradox, o equilíbrio da seriedade que a própria trama parece construir.

Ação e drama são sempre dois gêneros arriscados de se mesclar, nesse aspecto, Paradox deixa, mais uma vez, muito a desejar. Um desbalanceamento enorme entre a trama séria e os movimentos conflitantes dos personagens, que caminham para uma conclusão no mínimo obscura. Na busca do impacto dramático, o longa se perde entre os dois gêneros e no fim, não consegue ser excelente em nenhum dos dois, muito menos ser imparcial em meio a sua própria proposta. Para piorar, ainda existe o uso constante da coincidência como um elemento narrativo.

Apesar de possuir sequências de ação muito bem estruturadas, Paradox não consegue apresentar nada novo para a franquia, e é disparado o mais fraco da série de filmes SPL até o momento. Levando-se em consideração os últimos trabalhos do diretor, o filme consegue ser ainda mais decepcionante.

Avaliação: ★★ (Ruim)
Duração: 1 hr 41 min (101 min)
Idioma: Cantonês
Atores: Louis Koo, Wu Yue, Ka Tung Lam, Tony Jaa
Diretor: Wilson Yip

 

 

 

Perigo Extremo (City on Fire) de Ringo Lam.

Em determinado momento de City on Fire (mais uma vez, me recuso a chamar o filme pelo título nacional) Ko Chow (Chow Yun-fat) acaba de chegar em uma boate local, enquanto vai se adentrando no estabelecimento, sendo saldado por conhecidos, Ko Chow ainda se deixa levar ao bom rock chinês dos anos 80, um momento breve, mas que para os mais atentos, notarão a clara homenagem da ótima sequência em que Harvey Keitel dança ao som dos Rolling Stones no início de Caminhos Perigosos. Mas o som aqui em questão é a da cantora chinesa: ‘Maria Cordero’. A música é a mesma que abre esse texto e o motivo de estar ali presente, é o simples fato de que palavras nunca serão o suficientes para se expressar a nostalgia, mas a música, essa sim, instantaneamente nos transporta para essa época distante de nossas vidas.

Essa obra monumental de Ringo Lam, foi realizada, nos já longínquos anos 80, um filme tão repleto da mágica oitentista que você precisa experimentar por si só, ainda mais se você for um amante do cinema asiático, e sendo mais específico ainda, fã dos grandes filmes Heroic Bloosheds provenientes de Hong Kong.

City on Fire possui uma energia que é transbordante do início ao fim e já em seus minutos iniciais, somos instantaneamente transportados para a bela Hong Kong de 1987, onde presenciamos um assassinato em um mercado local. Rapidamente, o mercado está repleto de policiais, e o cenário sangrento já está armado para a trama se desenrolar em suas 1h 41min de duração. Chow Yun-fat não é nenhum rosto desconhecido dos fãs do cinema chinês, muito menos o astro Danny Lee, que juntamente com Yun-fat, estrelaram o clássico absoluto de John Woo: O Matador (1989).

Como sempre, sem entregar muito, a sinopse é a seguinte: “Um policial disfarçado se infiltra em uma gangue de ladrões que planejam  roubar uma joalheria.” Policial infiltrado? Roubo de joalheria? Isso não te lembra nada? Alguém? Claro! O filme de estreia do cineasta americano Quentin Tarantino, o ótimo, Cães de Aluguel. Foi em City on Fire que Tarantino se baseou para criar esse seu prestigiado trabalho… Mas isso é assunto para outra hora.
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Amizade é um constante tema abordado pelo gênero bloodshed, sempre de lados opostos, os improváveis amigos se veem em uma encruzilhada entre a vida e a morte. Esse clichê ainda permeia as produções atuais, porém sentar-se para ver City on Fire é levar em consideração que estamos falando de uma produção de trinta anos de idade. No quesito ação, o longa continua super atual, os tiroteios do diretor Ringo Lam são um grande balé de violência, algo que agrada e muito os fãs do gênero.


Obs.: Filme nunca lançado em DVD no Brasil.